quinta-feira, 15 outubro 2015 15:56

Das cousas da Língua Portuguesa na Galiza (espanhola)

António Gil

Da Associação de Amizade Galiza-Portugal

11 de Janeiro de 2004

 

   Depois de, serodiamente, felicitar o Ano Novo a todos os leitores do SEMANÁRIO TRANSMONTANO e às suas famílias e amigos, vou permitir-me interromper (é um falar!) as reflexões sobre Olivença, para tratar outro tema não menos ininteligível nestes tempos de correção “politicamente correta”. Espero que o título («Das cousas da língua portuguesa na Galiza (espanhola)») oriente um pouquecho o miolo deste artigo, mas nem sei...
Quase me limito a transcrever um intercâmbio de mensagens que achei num "portal". Dialogam duas pessoas.
1.- Pergunta a primeira: «E dado que a Galiza (espanhola, quer dizer, as ditas “Comunidades Autónomas” de “Galicia” + territórios de “Castilla y León” e do “Principado de Astúrias”) é considerada tão lusófona como os Países de Língua Oficial Portuguesa, por que não foi acordante de pleno direito no Rio (1986) e em Lisboa (1990)?»
Responde a segunda: «Nessa decisão de os responsáveis dos Acordos, tanto portugueses (Fernando Cristóvão, sobretudo) quanto brasileiros (Antônio Houaiss mormente), permitirem a presença de "observadores da Galiza", cabe distinguir duas faces processuais:
«1.1.- Uma é factual, por que validaram o facto de a Galiza (espanhola) ainda ser lusófona ou, pelo menos, o também facto de nela haver forte movimento associativo lusofónico. Acho que foi opção muito generosa, bem diverso dos comportamentos das instituições do Reino da Espanha.»
«1.2.- Outra face processual é a jurídica, inteligível no campo do Direito internacional, porquanto a Galiza, não como "Galiza", mas como “Comunidad Autónoma de Galicia”, apenas tem entidade administrativa perante os organismos internacionais, se o Reino da Espanha, quer dizer, o governo de Madrid, quer a representa quer dá autorização para participar neles. Assim sendo, só o estatuto de "observadores", membros de ONGes, podia ser juridicamente válido e aceite tanto para os Estados lusófonos quanto para o Reino de afim de a Galiza, nalguma medida, poder ter alguma presença nos Acordos».
2.- Interpela a primeira pessoa: «É obvio que as possibilidades de que o Acordo fosse oficializado na Galiza (pelo Reino de Espanha ou pelas suas insituições) eram nulas; mas isso afecta só ao segundo momento do Acordo (i.é., à oficialização), mas não ao
primeiro momento (i.é., às reuniões do Acordo)».
Explica a segunda: «Acho que não é assim. Cumpre também distinguir:
«2.1.- As condições jurídicas para a Galiza ser representada por delegados oficiais, de pleno direito, nos Acordos Ortográficos para a Lusofonia seriam equivalentes das preenchidas pelos delegados dos Estados lusófonos, salvo no dito em 1.2.
«2.2.- Porém, na Galiza a legalidade da ortografia é (deve ser) a comum no Reino para as denominadas "lenguas españolas" (castelhana, basca, catalã e galega). Como já se tem dito, as ortografias de todas essas "lenguas españolas" não são oficiais no Reino da Espanha, quer dizer, não são promulgadas como oficiais por Lei nem por Decreto nenhuns, de modo que o seu cumprimento seja, à partida, condição de eficácia administrativa. Porém, nos Estados de língua oficial portuguesa, até hoje, a ortografia é promulgada por lei ou por decreto de modo a ser, à partida, a única escrita administrativamente eficaz.
«2.3.- Por consequência, podemos dizer que a situação interior galaico-espanhola a respeito da ortografia "oficial" torna-se incompreensível e mesmo absurda. Com efeito, não sendo a ortografia do "galego" (ou português da Galiza) nem oficial nem oficializável no Reino da Espanha, é exigido, apesar de tudo, administrativamente o emprego do denominado "galego normativo" ("portunhol" por castelhanizado) aos cidadãos espanhóis, domiciliados na "Comunidad Autónoma de Galicia", sempre que optarem por usar a "lengua propia de Galicia"».
3.- Questiona a primeira pessoa: «Que impedia que a delegação da Galiza tivesse voto?»
Tenta razoar a segunda: «Está acima respondido: "A não autorização expressa do Reino da Espanha". Se o governo de Madrid os tivesse nomeado delegados, poderiam ter procedido oficialmente como tais. Mas não os nomeou. Cumpre lembrar um "pormenor" de interesse, para quem quiser entender um pouco como é que o bilinguísmo constitucional está argalhado no Reino e pelo Reino:
«a) Na "Constitución española" (1978) e no "Estatuto de Autonomía para Galicia" (1980) fixam-se como competências exclusivas da "Comunidad Autónoma" as referidas à língua própria ("o galego") e à cultura nela exprimida. Dessarte o Estado pôde deixar à decisão do governo autonómico a participação da Galiza nos Acordos internacioniais sobre a língua portuguesa.
«b) Pela sua parte, o governo autonómico pôde não tomar essa decisão escudando-se no facto de as relações internacionais serem competência exclusiva do Estado, quer dizer, do governo de Madrid.
«c) Para além disso, a tradição jurídica do Reino da Espanha exclui que a ortografia das "lenguas españolas" seja objeto de disposições legais que a oficializem. Quer dizer, a ortografia e os Acordos sobre ortografia não são competência declarada nem do Estado nem das Comunidades Autónomas.
«d) O enleio, como pode advertir-se, serve para paralisar qualquer atuação transfronteiriça séria; o enleio apenas parece procurar o encerramento, a clausura do "galego" dentro das fronteiras do Reino da Espanha, sem hipótese de transnacionalização.
4.- Redargui a primeira pessoa: «A sua delegação estava bem capacitada para defender os interesses da Galiza (segundo informa a "Comissão para a Integração da Galiza no Acordo Ortográfico")».
Responde a segunda: «A competência para entender nos assuntos sobre a língua da Galiza é reconhecida nos Estatutos das entidades privadas (ONGes) pertencentes à Comissão, a teor da legalidade espanhola e para as atividades desenvolvidas no Reino e fora dele; mas apenas são ONGes, entidades privadas. Para participar como membros de pleno direito em Acordos internacionais (= interestatais) precisava-se, como acima disse, que o Reino da Espanha, a meio do governo de Madrid, delegasse expressamente na Comissão ou nalguns dos seus integrantes a representação oficial do Estado e/ou da "Comunidad Autónoma».
5.- Conclui a primeira pessoa: «Daquela, por que podia defender esses interesses de palavra e não com o seu voto (sendo a Galiza tão lusófona como os outros países?)».
Conclui também a segunda pessoa: «Acho que a "Comissão para a Integração da Galiza nos Acordos da Lusofonia" e a subsequente "Delegação de Observadores da Galiza" bastante fizeram:
«a) Conseguiram participar como "observadores da Galiza" nos Acordos, convidados pelos respetivos responsáveis e organizadores.
«b) Assistiram às reuniões como tais.
«c) Lograram que se incluissem duas palavras "galegas" (lôstrego e brêtema).
«d) Informaram pormenorizadamente os governos de Madrid e da "Comunidad Autónoma" sobre os Acordos.
«e) Transmitiram em revistas e outras publicações a quem quiser ter alguma informação o que aconteceu nas reuniões dos Acordos».