quinta-feira, 15 outubro 2015 16:16

A periferia do futuro

Manuel A. Fernández Montecelo

 

 3 de Novembro de 2003 

 

 

      É comum pensar na Galiza e norte de Portugal como regiões periféricas, ambas estão longe das rotas comerciais europeias e geograficamente afastadas dos territórios mais dinâmicos e poderosos economicamente. Reparemos: utilizam-se as expressões "longe das rotas" e "geograficamente", que implicam que estão a maior distância/tempo da zona ou zonas consideradas centrais.

 

 

 

      Ainda há uma outra forma de ver a periferia, como a "distância tecnológica", nas telecomunicações e o que com eles se relaciona. Já hoje uma escola secundária não é privilegiada por estar perto duma boa biblioteca, se existir material electrónico disponível de qualidade comparável na rede; nem seria necessário morar perto de zonas onde realizar tarefas administrativas se houvesse uma administração electrónica que funcionasse bem. Se sou matemático ou tradutor de livros, que importa onde moro se posso enviar o meu trabalho aonde quiser em poucos segundos?

 

 

 

      Mas mais do que as vantagens concretas que se obtêm, podíamos reparar no contrário: que se passa com as pessoas leigas nos novos métodos de comunicação e de obtenção de informação? É difícil fazer comparações com problemas modernos parecidos, porque ainda não sabemos bem de todo o impacto que pode ter isto na sociedade, mas quiçá não erramos muito se pensarmos na situação dos camponeses que trabalhavam com métodos tradicionais, com a chegada de maquinaria especializada, ou uma pessoa na área administrativa duma empresa que não soubesse utilizar telefone, fax e aparelhos do género. Quem é que pode estar num posto administrativo hoje sem saber utilizar um computador? Quantas áreas mais podemos acrescentar? É possível a sobrevivência laboral à margem

 

destas tecnologias por uns anos, e muitas pessoas agora activas nos seus trabalhos continuarão a tê-los (ainda que perdendo competitividade) sabendo pouco ou nada, mas isto já não é possível para quem começa agora.

 

 

 

      Ainda falta o mais grave, porque não é apenas algo profissional: é algo integral na formação das pessoas. Se ainda restam dúvidas, então pensemos no futuro sócio-económico das áreas onde hoje há serviço de telefone ou electricidade deficientes e comparemos com o que se pode passar com estas tecnologias ainda mais recentes. Não só faltam empresas onde trabalhar, como também não se tem acesso (ou é muito mais restrito) a eventos culturais e serviços.

 

 

 

      Na Galiza existe muita menor percentagem de gente com acesso a computadores e à Internet que em outras zonas, sempre esteve marginalizada no campo das comunicações (de transporte, telefone e de todo o género) e também agora da tecnologia, com o cabo que só existe em algumas zonas urbanas, rede de telefone básica que não permite ligar-se mediante banda larga e a telefone rural, que não permite ligar-se a Internet de nenhuma maneira. São semelhantes os problemas com a rede eléctrica em muitas zonas. E o principal é que no ensino também não se está a fazer nada, em parte pela própria obsolescência de quem dirige e de quem tem de ministrar as aulas. Suspeito que o

 

mesmo problema acontece no norte de Portugal (salvo Porto, e talvez nos últimos tempos no resto das cidades), pela distribuição demográfica e outras características comuns desta nossa euro-região.

 

 

 

      É importante portanto não esquecermos que a formação (por outra parte nada simples, pôr diante dos alunos um computador sem mais não serve) nestas novas tecnologias é peça fulcral, pelo que podemos intuir, nas novas gerações das nossas sociedades ocidentais. Pode ser muito mais importante para uma zona periférica uma adequada actualização

 

tecnológica que uma estradinha mais ou menos rápida com ligação à cidade mais próxima.

 

 

      Não deixemos que, já estando na periferia no passado e presente, isto faça com que fiquemos também na periferia do futuro.