Carlos Durão (4)

Carlos Durão

Londres

25 de Outubro de 2003

 

      A maior parte da comunidade galega na Inglaterra concentra-se em Londres, nos bairros mais centrais (Victoria, Hammersmith, Portobello...).  Tem-se calculado entre 10.000 (nos anos 70 do século passado) e 20.000 emigrantes, mas é impossível dar um número preciso, pois para o consulado espanhol só existem as cifras dos cidadãos espanhóis residentes num país da União Europeia, e nada sabe da chamada “Lei de galeguidade”.  (Além disso, como considerar os filhos de galegos nados aqui?  Para o Estado Espanhol são espanhóis se o pai é espanhol, mas não se só a mãe é espanhola.)

      Começou a chegar sobretudo a partir dos anos 1950, quando o mercado laboral britânico do após-guerra precisava absorver mão de obra barata para trabalhos que tendia a rejeitar o operário inglês mas aceitava o galego (ou o antilhano): hostelaria, hospitais, serviço doméstico, etc.; e em condições cívicas mínimas ou inexistentes: sem segurança social, sem permisso de trabalho ou até totalmente ilegais.  Hoje está bem integrada e estabilizada no país, com um certo envelhecimento, isso sim, e desfruta de certa soada de solidez e responsabilidade social diante das autoridades britânicas (p.ex. a polícia), que nunca têm tido queixa dos “galegos de Londres”.

      Abunda o nome “Galicia” em estabelecimentos comerciais galegos: Galicia Motor Services, Galicia Wines, Galicia Restaurant, Galicia Delicatessen, etc.; ou outros topónimos afins: Meson Coruña, Carniceria Coruña, Vigo Galleries, Vigo Press Ltd., restaurante Rias Baixas, Breogan Removals, etc.  (Também existem desde há muito tempo topónimos galegos nas ruas londrinas: Corunna Road, Corunna Terrace, Vigo Street.  O nome de Santiago está refletido doutro jeito: sob o apelativo de “The Court of Saint James’s”, que é o nome oficial da Corte Real britânica, e em St. James’s Palace, residência do herdeiro da Coroa; também em St. James’s St. e mais nos numerosos topónimos ingleses que o incorporaram na época em que tinha importância para os peregrinos ingleses o chamado “Caminho Inglês” a Santiago, por mar desde um porto inglês do sul e por terra desde o norte da Galiza; assim: Berwick St. James e outros, desde que o popularizara no século XII a Rainha Matilda, filha de Henrique I.)

      Tem um Centro Galego, fundado no 1967, que é o decano dos centros de emigrantes do EE na Inglaterra, e que chegou a ter 800 sócios nos seus melhores tempos, com o seu local próprio, embora modesto, e com atividades culturais diversas: o Dia da Pátria, o Dia das Letras Galegas, uma Comissão Cultural que tem participado nos preparativos do Ano Jacobeu; inclusive chegou a fazer edições próprias de livros e revistas.  Tem o seu Grupo de Gaitas e Danças e o seu Clube Desportivo de futebol.

      Também existiram em tempos o Grupo de Trabalho Galego de Londres e mailo Seminário de Estudos Galegos de Londres, e funcionam hoje Centros de Estudos Galegos nas universidades de Oxford e de Birmingham.  A emissora da BBC tinha depois da guerra uma emissão galega, na que colaboravam muitos “galeguistas históricos” do interior, como Otero Pedrayo, Florentino Cuevillas ou Plácido Castro; na seção espanhola colaboravam outros, como Salvador de Madariaga ou V. Paz Andrade.  Anos depois veio morar a Londres o ilustre poeta e professor galego Ernesto Guerra da Cal, exilado desde a guerra civil espanhola, em cujo lar tínhamos uma cálida acolhida os mais novos, e que foi o derradeiro duma brilhante presença galega na Inglaterra que inclui nos nossos tempos os escritores Rafael Dieste e Ricardo Palmás, e outrora o famoso Conde de Gondomar, D. Diogo Sarmento da Cunha, que fora embaixador na “Corte de Santiago” e que desde ali escrevia em galego às suas amizades na terra natal.

Carlos Durão

Londres

17 de Outubro de 2003 

 

      Acostuma dizer-se que, a norte da raia, “fala-se galego”.  De facto, “o galego” (“el gallego”) é hoje reconhecido pelas autoridades espanholas, que o consideram língua “própria” da Galiza (para elas “Galicia”), ao mesmo tempo que “lengua también española”, como p.ex. na Constituição espanhola ou no Estatuto de Autonomia da Galiza.  E as “autoridades” linguísticas espanholas têm feito os máximos esforços por “provar” que essa língua falada a N da raia, que é cooficial com o castelhano, não tem nada a ver com a que se fala a S da raia, que é oficial no Estado português.

 

      Ora, a realidade é que a verdadeira língua oficial da Galiza é a espanhola, que é a língua que abrange todo o Reino de Espanha.  E “o galego” são de facto “os galegos”, os falares, falas ou dialetos galegos da Galiza oficial (as quatro províncias da Corunha, Lugo, Ourense e Ponte Vedra) e mais da Galiza chamada “exterior” (Návia, Berzo e Seabra, comarcas ocidentais das Astúrias e de Leão), ou seja os dialetos portugueses do N da raia, em geral tanto mais castelhanizados quanto mais distantes dela.  Para esses dialetos, as autoridades espanholas inventaram uma “ortografia” espanhola, que reflite uma “ortofonia” também quase espanhola (quer dizer adatada à fonética dos hispanófonos galegos), e tornaram-na obrigatória nos centros de ensino e nas edições subsidiadas, banindo a ortografia e ortofonia realmente próprias da língua, ou seja portuguesas: esta é a posição dita isolacionista, obediente às diretrizes dum partido político de âmbito estatal.

 

      Existem, claro, dissidências, grupos minoritários e independentes do oficialismo, que não estão dispostos a aceitar este “facto consumado” e que procuram falar e escrever bem o português, considerando que une e dá coesão a todos esses falares, e nos relaciona cabalmente com o resto da Lusofonia, quer dizer que é a norma culta da nossa língua.  Naturalmente esses grupos são sanhudamente perseguidos e banidos do ensino e dos subsídios oficiais (como, aliás, nos melhores tempos da ditadura franquista).  Mesmo assim, conseguem manter uma presença social muito superior ao seu número, publicando livros e revistas, celebrando congressos, seminários, etc., que nos derradeiros vinte anos têm alertado a sociedade galega para o perigo da espanholização e exercido certa pressão nas opções filológicas até dos próprios isolacionistas.

 

      Há ainda uma posição intermédia, digamos quase lusógrafa mas não lusófona, ainda muito dependente do espanhol na grafia, na fonética e na morfologia e sintaxe, que parece ter certas esperanças de ser aceite ou pelo menos tolerada pelo oficialismo.  Os seus utentes, embora digam que a sua posição é temporária e que está a caminho do alvo final português, de facto cada vez mais ficam estacados num imobilismo cómodo ou docilmente submetidos à política linguística dum partido, e ainda pretendem “exportar” os seus produtos ao mundo lusófono, sem reparar que estão a criar confusão entre as pessoas lusófonas de boa vontade que realmente querem ajudar a Galiza na recuperação da sua língua.

 

      O que fazer?  Certamente nós, a N da raia, temos muito que fazer para ampliar essas minorias críticas e continuar consciencializando as pessoas.  Mas a S da raia também os nossos irmãos transmontanos e minhotos muito poderiam fazer para alentar a língua portuguesa na Galiza e recusar tanto o isolacionismo oficial como essas meias-tintas gráficas e fonéticas, que afinal são mau português, e insistir num padrão correto para a nossa língua, seja ele o que se continua a empregar em Portugal ou o do ainda não ratificado Acordo da Ortografia Unificada de 1990, no que está explicitamente reconhecida a participação da Galiza.

(Artigo publicado na edição impressa de 17 de Outubro, pág.18).

PRONTUÁRIO PRÁTICO DO PORTUGUÊS DA GALIZA

 

DR. CARLOS DURÃO

 

 

 

    NOTA INTRODUTÓRIA  

 

 

 

    O presente Prontuário Prático da nossa língua inclui um Léxico Contrastivo, um Léxico Geral, um Índice Onomástico e Topónimos e afins. A ortografia empregada é a do Acordo da Ortografia Unificada de 1990, escolhendo-se a norma culta europeia nos casos em que diverge da americana e incorporando, com finalidade diacrítica, alguma grafia anterior ao Acordo.Junto com as formas simples, incluem-sen flexões, topónimos (lato sensu) e outras palavras, a fim de ilustrar a variedade fonética das formas nortenhas e portugalegas, ou dialetais. As explicações entre parênteses não são definições, mas breves referências ou sinónimos para identificar rapidamete o vocábulo.  No Léxico Geral indicaram-se os plurais dos singulares em -ão (-ãos, -ães ou -ões) ou, quando não têm plural, a terminação fonética (-am, -om) na pronúncia nortenha da língua. Este trabalho é fruto da pesquisa e da docência, e tem um fim fundamentalmente pedagógico.

 

 

 

A primeira versão deste Prontuário foi publicada pelas Irmandades da Fala em 1984, Revista Temas do Ensino, Nos. 2/3, Braga. Para qualquer consulta ao autor utilize este Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

 

 

 

Última revisão: Setembro de 2005

 

 

 

 

 

 

CARLOS DURÃO, DR.

Carlos Durão nasceu em 5 de janeiro de 1943; licenciado em Filologia Inglesa pela Universidade Central (Madrid, Espanha) em 1968; Prof. de idiomas em Londres; redator radiofónico da BBC; tradutor técnico em organismos da ONU; correspondente/colaborador das revistas Grial, Teima, A Nossa Terra, Agália, O Ensino, NÓS, Cadernos do Povo; membro das IFGP, AAG-P e AGAL. Publ.: "A teima" (novela), Editora Galáxia, Vigo, 1973; "Galegos de Londres" (romance), Edições do Castro, Sada, 1978; "O silencio, nós" (novela), 1988, Fundação Europeia Viqueira, Cadernos do Povo, Ponte Vedra-Braga; "Prontuário ortográfico da língua galego-portuguesa das Irmandades da Fala", especial nos 2/3 de Temas de O Ensino, Braga, 1984 (autor e redator principal); "Poemas do não", revista NÓS, nos 4/5/6, 1987; "Paralaxes", Coleção de poesia 5+2=8 Etc aos 4 ventos, Ponte Vedra-Braga, 1994