quinta-feira, 15 outubro 2015 15:58

Um tema voluntariamente esquecido

António Gil

Da Associação de Amizade Galiza-Portugal

24 de Outubro de 2003

 

      Cara amiga, caro amigo, portugueses em todo o caso: Desde a outra parte da ‘raia' galega (da seca e da molhada) começo as minhas cartas que vos dirijo fundamentalmente a vós, amigos portugueses. Sem dúvida também os meus concidadãos galegos poderão aproveitar-se delas ou isso pretendo.

 

      Inicio-as com um tema que acho injusta e escassamente tratado nessa parte da ‘raia' e escondido e maltratado nestoutra, de toda a ‘raia' espanhola desde Tui até Ayamonte.
Hoje mal o apresento, com algum temor de ser pouco ou mal compreendido. Mas aí vai; ei-lo:

 

      Começo, a modo de pretexto, por uma nótula que publicou ‘Diario de Notícias' (Lisboa) o primeiro dia deste mês de Setembro. Coloco-a completa: «CIA reconhece diferendo de Olivença (C. A.) «Pela primeira vez no relatório anual sobre disputas internacionais, a CIA passou a incluir o contencioso de Olivença, território em que Portugal e Espanha continuam por delimitar os respectivos limites fronteiriços. Desde o início de Agosto que a CIA faz referência expressa a periódicas reclamações portuguesas sobre aquele território, há dois séculos ocupado pela Espanha à margem do direito dos tratados.

 

      «A disputa de Olivença é referida pela agência norte-americana, em separado e nos mesmos termos, tanto no índice de conflitos de Portugal como no de Espanha. Até agora, Portugal era dado como um país sem qualquer contencioso de carácter internacional, a contrastar com a apreciável lista de diferendos protagonizados por Espanha. «A listagem da CIA é usada como suporte de trabalho tanto pelos media como pelas chancelarias e, no que respeita aos EUA, não poupa referências a contenciosos territoriais com o Canadá, às reivindicações do Haiti sobre a ilha Navassa e das ilhas Marshall sobre a Wake, entre outros.»

      Ignoro quanto e como se discutiu esta notícia em Portugal. Sei que no Reino da Espanha foi mal transmitida e pior comentada, até com desprezo e em recantos da imprensa ou em momentos mínimos da rádio. Parece-me que nenhuma TV disse nada nem a favor nem em contra.

 

      Não obstante, não é a notícia em si que me interessa, mas o estado de opinião tão diverso que existe na República portuguesa perante uma "questão" semelhante duma que vem sendo estimada fundamental no Reino vizinho: Neste a "Questão de Gibraltar" esteve presente como reivindicação patriótica de todos os governos e sistemas políticos desde sempre, mas sobretudo durante o séc. XX: Monarquia absoluta e constitucional, ditaduras, Restauração monárquica. Todos os governos reclamam sistematicamente a devolução do reduzido território de Gibraltar, com toda a justiça espanhol, embora fosse cedido ao Reino Unido em Trtado de Paz.

 

      Assusta, ao comparar situações, o facto de na República portuguesa apenas um grupo muito escasso de cidadãos persistirem na reclamação dum território conquistado pela Espanha na "Guerra das Laranjas" (1801), guerra aliás injusta, e ulteriormente devolvido também por Tratado internacional. Essa devolução foi e é unicamente nominal: promessa incumprida. Sem procurar culpas nem novos "casus belli" entre os Estados vizinhos, sim vale a pena refletir um pouquecho no assunto: O Reino da Espanha não cumpre a promessa ou Tratado, aliás, bem conhecido dos portugueses, mas os portugueses, as autoridades portuguesas lembram, como "questão de Estado", a devolução de Olivença?


      Comentarei nalguma outra carta as "razões" que uns e outros formulam para não devolver e para não reclamar. São na realidade razões ou apenas, segundo acima escrevi, "razões" ou, antes, pretextos?

(Artigo publicado na edição impressa de 24 de Outubro, pág. 10).