CULTURA E DEMOCRACIA NA «COMUNIDAD AUTÓNOMA DE GALICIA»
Prof. Dr. António Gil Hernández, da A.A.G-P.
Comunicação[1] apresentada aos Primeros Encuentros de la Sociología en Galicia
Santiago de Compostela, 6-7 de Dezembro de 1990.
0. ESTADO DA QUESTÃO
Nestas linhas apenas pretendo expor umas breves reflexões sobre a condição marginalizada que de antigo a Comunidade Cultural galega vem suportando: tome-se «suportar» nas acepções ativa e passiva já que assisadamente não cabe atribuir a situação atual só à «potência colonizadora», que é o Reino da Espanha, mas também, com não escassa responsabilidade, aos estamentos dirigentes naturais da Galiza.
Dado que o tema merece ser tratado por uma pessoa mais especializada ca mim e de jeito muito mais generoso do que numa comunicação perbreve, permito-me só apontar algumas dimensões da marginalização nacional galega, hoje procurada institucionalmente sob pretexto de verificar um processo dito normalizador de usos linguísticos.
Advirto que desenvolvo as minhas reflexões como singelo observador de comportamentos glotopolíticos tanto de instituições, quanto de particulares qualificados, que numa situação menos conflituosa se denominariam paladinamente notáveis.
Advirto também que a marginalização nacional galega vem sendo, desde o princípio, conditio sine qua non da centralização nacional espanhola. Por outras palavras: parece que o processo nacionalizador da Espanha implica a desvalorização e mesmo degradação, institucionalmente procuradas, de possíveis projetos nacionais não espanhóis, dado que aquele fica definido e estatuído como uninacional, cuja soberania não compartilham diferentes 'pueblos españoles' (art. 1.E § 2 da CE), mas uno, de «indisoluble unidad», «común e indivisible» (art. 2.E da CE).
1. ELABORAÇÃO DA GALEGUIDADE.
Tenho-me referido noutro lugar à consideração de que «as ideologias são sistemas simbólicos 'racionais' enquanto têm uma 'estrutura profunda'[...] que requer 'a unidade de teoria e prática'» (A. Gouldner 1976.1978: 85; veja-se G. Lightheim 1972: 93-99). Nessa hipótese vale também consideramos que é ideologia aquela concepção da Nação a que os cidadãos notáveis aderem, cujos traços racionais delimitam com eficácia e cuja implementação estendem ativamente entre o Povo.
O facto de assim acontecer verifica o estado eminentemente cultural e artificioso, já não natural, mas racionalizado quanto ao político sobretudo, a que a Humanidade tem atingido (Cl.Rosset 1973.1974: 209-224).
Convém lembrarmos, ao abrigo das reflexões hobbesianas, de que «ao direito natural ilimitado, o Leviathan sobrepõe o Contrato, o direito político limitado, limitativo. A natureza humana é paixão; o Império é Razão, a Razão é essa limitação política da paixão» (Sousa Dias 1981: 99-100). Esse mesmo facto também evidencia que na presente altura não lhe é possível a qualquer humano, sobretudo ao pretensamente notável de Comunidades Culturais subordinadas, usufruir com dignidade aquele estado cultural e artificioso porque «o imperium [de que os notaveis da Comunidade dominadora, legitimando-a, participam] já não limita a potentia: exprime-a, maximiza a potentia dos dominadores, minimiza a potentia dos dominados» (Sousa Dias 1981: 100).
Desde essa perspectiva política é que estimamos la questione della lingua e, em geral, os processos de normalização cultural segundo se desenvolvem nesta parte do território espanhol.
Aquela, velha já, definição martinetiana que situa a linguagem entre as instituições humanas (Martinet 1960.1970: 13-15) recolhe decerto uma teorização antigamente tradicional, muito mais explicadora do que outras «estritamente» linguisticas. Na realidade, se «esta maneira de ver oferece vantagens indubitáveis porque as instituições humanas surgem da vida em sociedade» (14), deve-se ao facto de a linguagem se conceber «essencialmente como instrumento de comunicação» (ib.) e justamente é a organização comunicacional a que diferencia entre si as comunidades, também e sobretudo do ponto de vista político.
1.1.
Caraterizam portanto as ideologias quer a racionalidade do discurso, embora limitada pelo «objetivismo» (Gouldner 1976.1978: 74), quer a procura de uma transformação efetiva da sociedade.
Ouso identificar, em linhas gerais, a racionalidade objetivista, a que se refere Gouldner, com as valorizações não subjetivas, não subjetivizadas, tão frequentemente emitidas nos diversos meios de informação, nos massivos, nos institucionais, nos académicos, mercê das quais os sujeitos humanos, notáveis nos âmbitos a que os meios alcançam, tendem a exprimir-se sobre o mundo com voz omnisciente, «como se o próprio mundo se exprimisse e não os homens» (ibidem). Aliás, enquanto a procura de transformação social acompanha sempre aquela racionalidade, também a legitima, sobretudo pondo-a em evidência. Com efeito:
1.E Por um lado, a ideologia, em virtude do elemento racional, pode ligar-se com a ciência, particularmente com as denominadas ciências da sociedade, em cujo âmbito estamos a desenvolver estas reflexões: «tanto as ideologias quanto as ciências sociais são intrinsecamente não dogmáticas, a teor das gramáticas ou regras a que afirma se submeter» (Gouldner 1976.1978:87).
De facto, a ciência, enquanto conhecimento racional reflexo ou intencionalmente não limitado, pode contribuir a racionalizar, nem sempre subsidiariamente, a ideologia na medida em que fundamenta a racionalidade própria destas. Não obstante, ambas diferem entre si tanto pela diversa índole da comunidade dos sujeitos que as elaboram, quanto pelo método, pelos objetivos e decerto pelo fundo formal, pelo fundo específico e pelo fundo de conhecimento acumulado (M. Bunge 1985: 28.125-133.136-144).
2.E Por outro lado, a ideologia pode ligar-se à tecnologia, enquanto esta, como à sua maneira toda a ideologia, «se ocupa em desenhar artefactos e planear a sua verificação» (M. Bunge 1985: 35; o itálico é meu) na sociedade a teor de critérios e objetivos eminentemente valorizadores.
Cumpre salientar essa dimensão prática, e pragmática, da ideologia que a aproxima da tecnologia; contudo, não hão de urgir-se as semelhanças. Com efeito, a atividade ideológica procura socialmente muito mais e especificamente bastante menos do que qualquer procedimento tecnológico, já que, por um lado, as ideologias tentam instaurar os humanos como pessoas «enquanto seres socialmente definidos» (A. W. Gouldner 1976.1978:99) e, por outro, esse próprio facto implica a necessária tarefa de os «preparar» adequadamente a integrar-se na sociedade e, mesmo, a contribuírem à transformação congruente do mundo «natural».
Acho preciso apontar uma consequência imediata que mereceria melhor tratamento. O denominado nacionalismo galego ainda nem alcançou a condição de ideologia política porquanto, não redefinindo nem as fontes, nem a proporção de poder atuante no seu território, também não parece tentar a «preparação» do homem galego à nova sociedade. Menos ainda parece procurar a transformação do mundo nacional; quer dizer, ainda não parece ter concebido que para lograr politicamente a Galiza cumpre mudar desde hoje «Galicia».
Continuemos. Um determinado tipo de previsão tecnológica decerto subsidia qualquer atividade ideológica, de maneira que, como fica dito, tanto no campo tecnológico quanto no ideológico o conhecimento se estima meio para conseguir os fins práticos que os caraterizam (M. Bunge 1976: 702). Ainda mais, «o seu uso adequado orienta-se quer a controlar as cousas ou os homens mediante a mudança do curso dos acontecimentos, talvez até o deter totalmente, quer a forçar o curso predito dos factos, embora interfiram nele acontecimentos impredizíveis» (M. Bunge 1976: 704).
Em todo o caso, tanto dos técnicos que manuseiam os objetos das ciências da sociedade, quanto dos ideólogos, pode dizer-se que sempre julgam sobre a base dalgum conhecimento especial, embora este não seja sempre nem explícito nem articulado.
Por consequência, pode sem erro afirmar-se que «é conhecimento que não aprende dos fracassos e que se torna dificilmente contrastável» (M. Bunge 1976: 707).
1.2.
O nacionalismo é toto facto et toto iure ideologia. Será defensiva ou ofensiva e, cada uma dessas vitualidades, por sua vez, estará conformada como primariamente biológica (ou étnica), económica, cultural e política, segundo classificação recolhida em M. Bunge (1985: 150-151)[2].
Cumpre assim reconhecê-lo e mesmo cumpre reconhecer que nesta altura da História é a ideologia nacional a que se torna em fundamento de ulteriores saberes, sobretudo para aqueles cidadãos qualificados que, por isto mesmo, dirigem factual e necessariamente a comunidade nacional e, constituidos em dirigentes, interpretam com autoridade os acontecimentos atinentes à Nação; ainda mais, é mercê dessa autoridade que mesmo os acontecimentos existem enquanto nacionais. E tudo isso, apesar das frequentes retóricas em contrário.
1.E Entre outros, dependem da ideologia nacional os saberes relativos à língua; a própria da Nação/Estado será definitivamente nacional e portanto primeira e fundamental, enquanto outras, quando incluidas no território da Nação, se estimarão «regionais» (ou simplesmente «dialetos») e como tais funcionarão, mas, quando exteriores a esse território, serão apenas estrangeiras e portanto administrativamente excluídas. De facto nos Centros escolares (dependentes ou não das instituições, por exemplo, da Nação espanhola) as línguas são assim estudadas.
Acrescento que essa organização funcional deriva da situação factual ou singelamente política que o Lebrixano, na sequência de uma já longa tradição, definia no «Prólogo» à sua Gramática (1492):
Quando bien comigo pienso [...], i pongo delante los ojos el antiguedad de todas las cosas: que para recordacion i memoria quedaron escriptas: una cosa hállo i saco por conclusion mui cierta: que siempre la lengua fue compañera del imperio: i de tal manera lo siguió: que junta mente començaron, crecieron, i florecieron, i despues junta fue la caida de entrambos (A. Quilis 1980: 97).
Segundo é manifesto, estou a refletir sobre o nacionalismo cultural atuante por estas partes da Europa. À partida pode ser definido fraca ou fortemente:
") A definição fraca da nacionalidade «outra», a galega, promana do pensamento forte da espanholidade (com que se identifica o pensamento fraco da galeguidade) enquanto «compreende» o facto diferencial galego até ao ponto de que lhe «reconoce y garantiza el derecho a la autonomía [...] y la solidaridad entre todas [as nacionalidades e regiões] (CE art. 2.E).
Eis o antigo pensamento de um galeguista histórico plenamente integrado:
O desenvolvemento da cultura galega tamén vai esa mesma trascendencia comunicativa do noso ser espiritoal. Pódense percibir amplas e sutilísimas zonas da nosa intimidade reflexadas na obra dos poetas, dos escritores, dos artistas, pois gran parte desta obra está feita con sustancia «entrañable» de todos nós. Por algo o pobo se apropia, fai súa a obra dos grandes creadores como algo que lle pertence de maneira natural. Entre os que chegaron a plasmar unha imaxen total de Galicia, agora imos escoller somentes tres: Rosalía, Valle-Inclán e Otero Pedrayo (R. Piñeiro 1954.1974: 68).
$) A definição forte da espanholidade alicerça decerto nas instituições da Nação/Estado e cumpre esperar que estas a publicitem. Em particular, a definição de «cultura española» dá-se por solidamente estabelecida, apesar de racionalmente ser ainda lábil e escorregadiça. Assim se exprimia um dos teóricos do nacionalismo (cultural) espanhol:
El dolor de la España única y eterna, entrañado en todos los espíritus que se elevan a una consideración histórica por cima de tantas convulsiones pasadas, traerá la necesaria reintegración, a pesar de la tremenda borrasca de antagonismos inconciliables que azota al mundo. La normalización de la vida exigirá, mañana mismo, ideas de convivencia por las que cada español, movido de fecunda simpatía hacia su hermano, deje agitarse dentro de sí las dos tendencias, tradición y renovación, las dos fuerzas que siempre han de contender y compenetrarse, impulsando los más beneficiosos aciertos, las dos almas contradictorias que siente dentro de sí todo el que pugna en los altos problemas y aspiraciones de la vida (zwei eelen vohnen, ach! in meiner Brust), las dos almas que decía Unamuno llevar en su pecho, de un tradicionalista y de un liberal en inacabable y siempre fructífera discusión, los dos impulsos que hacían a Menéndez Pelayo exaltar la intolerancia de espada y hoguera, y rectificar después, teniendo por verdaderamente cristiano el 'no matar a nadie'» (R. Menéndez 1951.1971: 230-231).
2.E Aquela condição factual que distingue a atividade dos Notáveis nacionais (ideólogos, cientistas ou tecnólogos) explica que, para o serem com adequação, precisem exprimir (embora as não publicitem) as premissas de valor relativas à definição da nacionalidade e motivadoras das respetivas tarefas, ações e empresas (compare-se com G. Myrdal 1967.1976: 63-70). Se essas premissas de valor não se puderem tornar explícitas, a racionalidade, essencial a toda a elaboração ideológica, não apenas ficará reduzida, mas mesmo será caótica e ineficaz a prática subsequente, na qual, em definitivo, se resolve aquela. Aconteceu grandemente com o nacionalismo espanhol que surgiu eivado de irracionalidade, compadecida de indolência crônica. É também o que, sobre o modelo de aquele, está a acontecer com os denominados «nacionalismos galegos», supostamente diversos. Com efeito, todos eles reincidem em evitar a racionalização dos discursos que sustentam sobre a Galiza relativamente
[1.E] à delimitação do território e da história nacionais e
[2.E] à normalização cultural e linguística; portanto,
[3.E] nem projetam
[4.E] nem logicamente executam «estratégias» e «táticas» pertinentes.
O início do processo nacionalizador da Galiza haveria de consistir em esclarecer, com suficiência, sem ambiguidades, esses pontos fulcrais.
3.E Na realidade, uma ideologia nacional, enquanto é visão do mundo não adscrita a uma determinada classe social, 'coincide com os limites que o conhecimento e o pensamento formados e desenvolvidos no interior da Nação, enquanto conjunto de âmbitos comunicacionais, não podem exceder, sem entrarem em contradição com os interesses nacionais [dos Notáveis da Nação] que lhes serve de quadro e de suporte' (vide A. Sedas Nunes 1971.1987: 66-67; também 69-88).
O máximo de consciência possível que o conjunto dos Notáveis da Nação se pode permitir não apenas consente e promove a mitificação dos factos históricos a legitimar exemplarmente as premissas de valor a respeito da existência da Nação, mas sobretudo impede a todos os nacionais as submeterem a análise e crítica profunda e só transige com a expressão de valorizações negativas muito genéricas que, por sua vez, nunca se transladarão às camadas populares. Decerto,
os limites da consciência possível [...] não se projetam somente sobre o conhecimento espontâneo, vulgar, não teórico, ou pré-teórico. Também se manifestam, embora doutro modo, ao nível das teorias científicas e das correntes teóricas, pelo menos nos domínios das Ciências do Homem. (Sedas Nunes 1971. 1987: 67-68; itálico do autor).
Os notáveis espanhois estão a efetivar na Galiza, a respeito da «língua galega», um processo que de facto parodia grotescamente o seriamente verificado com a sua língua nacional:
a) têm quebrado a racionalidade no que atinge ao idioma galego, até hoje pacificamente recebida nas Ciências da Linguagem;
b) têm aberto uma controlada prática «social» contraditória com a prevalecente entre os cultores das línguas de cultura;
c) estão a argalhar assim perigosas e arbitrárias fragmentações «teóricas», que, aplicadas a outras situações que a galega, destruiriam a ordem estabelecida e por eles sustentadas.
Apesar de tudo, esses «ideólogos» (com os seus adictos) permitem-se estender esse «estado de opinião» [doxa] que, no início e de facto entre a gente galega, ulteriormente de iure também perante os seus nacionais, «legitima» soluções de continuidade que hão-de afetar tanto à ideologia [sem aspas], quanto à prática social [também sem aspas] (Veja-se H. Kliemt 1978.1983, passim).
Quando esses limites forem excessivos, também ficarão reduzidas as possibilidades de confrontar os textos, entre eles, e os respetivos contextos, como com certeza também estarão distorcidas in extenso as condutas dos inter-comunicantes.
Nalguma medida, mesmo em situações de normalidade, todos os cidadãos, enquanto agentes de âmbitos comunicacionais diversificados, acham-se incursos naquela situação que Bateson (1969) descreveu modelicamente na sua teoria da dupla ligação (vide A. Wilden 1972.1979: 111-129).
Contudo, como faz o sociólogo valenciano-catalão Lluis Aracil (1983: 108), vale referir essa teoria da dupla ligação às situações em que «convivem» cidadãos pertencentes a duas Comunidades Linguísticas, uma conflituosamente minorizada e outra «pacificamente maiorizada».
Hão-de cumprir em tais situações três condição:
«a) una relació estable, intensa i important, típicament familiar;
b) dues normes contradictòries que obliguen um membre de la relació;
c) una tercera norma que fixa els límits del joc i prohibeix d'eixir-ne de cap manera».
É de facto essa terceira norma, aplicada muito estritamente, mesmo repressoramente, a que põe
«l'individu[3] en una situació desesperada tot condemnant-lo a viure-la intensamente sense veure-la mai clarament. És un veto categòric que posa fora de la qüestió aquells recursos que poden transcendir la situació i alliberar l'individu» (ibidem).
Assim, a situação descrita torna-se esquizofrenizante não apenas dos cidadãos pertencentes às duas Comunidades (bilingues portanto), mas inclusivamente de aqueles «maiorizados» (procuradamente unilingues) que, não fazendo parte da Comunidade minorizada, por razão de função pública ou política, têm de tratar com os primeiros. Em qualquer dos supostos:
a) os «maiorizados» excluem a ironia e a crítica, secundados pelos minorizados, numa procura doente de alcançar unanimidades cada vez mais inânimes e anónimas. Quer dizer, é proibido negar quaisquer dos pontos da propaganda oficial sobre a «língua própria», assim como submeter a qualquer tipo de análise racional os achados do saber oficialmente estabelecido sobre essa língua e temas afins; é simultaneamente vetado questionar a «certeza» dos princípios e atuações, sociais e políticos, que levam adiante os partidaristas e outros notáveis minorizados.
b) «maiorizados» e minorizados minimizam qualquer processo de aprendizado socializador até nulificarem, obedientes à rotina, a normalização cultural da Comunidade minorizada, adiada sempre ad kalendas graecas, já que a classe dirigente, que por definição pertence à Comunidade «maiorizada», só «permite» sucessivas e definhadas experiências nunca acabadas e frustrantes.
Repasse-se a política de subsídios à cultura autóctone levada adiante por qualquer das «Xuntas» governantes na Comunidade Autonómica galega, desde o início da democracia, e comprove-se quantas delas contribuiriam na realidade à normalização; por outro lado, repasse-se, por exemplo, o número das publicações periódicas aparecidas na Galiza nestes dez últimos anos e comprove-se quantas delas chegou ao número 3.
c) «Al limit, cal optar [por ambas as bandas] entre la violència cega i desesperada, i l'acceptació fatalista de la confusió i la impotència» (Ll. V. Aracil 1983: 109). Não se precisa comentar mais; basta com olhar para os «nacionalismos periféricos» no Estado espanhol, nomeadamente os atuantes na Galiza.
2. MARGINALIZAÇÃO APÓS MARGINALIDADE
A elaboração de uma orthographia, enquanto «língua graficamente formalizada», constitui de facto o objeto de um preciso e peculiar processo (quase) tecnológico.
Talvez convenha nesta altura lembrar que, segundo tem teorizado o Prof. Coseriu, «os modos linguísticos que se comprovam no falar concreto patenteiam [...] o 'saber linguístico' dos falantes [em geral, dos utentes]» (1973:57) que o adquirem continuamente de outros utentes, situados nomeadamente nos meios institucionais e para-institucionais.
Continuava o Professor, «o saber linguístico é um saber fazer, isto é, um saber técnico» (1973: 58; vide passim).
Ora, o processo (quase) tecnológico por que, em última instância, se torna distinto/adequado (ibidem) aquele saber técnico, acha-se em qualquer caso submetido aos limites que as premissas de valor definidoras da ideologia nacional impõem, como igualmente se acha submetida a essas premissas a atividade científica correspondente[4]. Ainda mais, o «produto gráfico» não esgota os objetivos desse processo (quase) tecnológico; imbrica-se nele, embora se não procure sempre de modo explícito, um determinado modelo de usos[5] que com certeza se tentará efetivar.
2.1.
Convém insistir no facto de a orthographia, enquanto instrumento eficiente, verificar a comunicação entre os seus usuários para além de os identificar simbolicamente do ponto de vista individual e social. Nas presentes circunstâncias civilizacionais, a orthographia é instrumento sempre eficiente, com independência da pessoal competência dos agentes para o utilizarem, de maneira que é o facto de o utilizarem em processos comunicativos, juridicamente regrados, o que identifica os cidadãos como tais nas sociedades.
Basta com acudir à experiência do que acontece na Galiza espanhola para evidenciar esta observação sem necessidade de recorrer a outro tipo de argumentação. Ainda mais, contra o que se vem proclamando, o Povo não legitima os seus presumíveis Notáveis enquanto utentes de uma determinada formalização da língua nacional (?) da Galiza.
Acontece, pelo contrário, que são tais membros qualificados da sociedade, já organizada em Estado/não-Nação-galega, os que estão já a autorizar os textos (e os seus emissores) enquanto que efetivam e explicam o âmbito comunicacional que, uns e outros (os uns pelos outros), denominam Nação espanhola.
Com efeito, as decisões administrativas, atinentes ao uso da língua não nacional da Espanha, chame-se esta galega ou portuguesa da Galiza, cumprem na estrita literalidade essa doutrina, segundo patenteiam, verbi gratia, os pronunciamentos dos magistrados da «Sala de lo Contencioso-Administrativo del Tribunal Superior de Justicia de Galicia» quando implicadamente baseiam o «Fundamento jurídico primero» da sentença 826/1989 numa condição que identifique como nacional a língua graficamente formalizada:
Apreciando que los escritos de interposición del recurso y demanda ni ortográfica ni morfológicamente adoptan alguna de las modalidades en uso de la lengua gallega [etc.]» (Agália núm. 20 (Inverno de 1989), p. 511; veja-se Agália núms. 19, pp. 387-393, e 20, pp. 505-511).
Cumpre advertir ao caso que os «escritos» a que a «Sala» se refere estão redigidos, como a presente comunicação, em «alguna de las modalidades en uso de la lengua gallega»:
a) a que, como ortografia nacional, é 'modalidade' de uso habitual e oficial tanto em Portugal quanto no Brasil;
b) porém, nestes assuntos uso há de ser entendido na Galiza na acepção de «acción y efecto de usar» ou «hacer servir una cosa para algo» (veja-se no Diccionario de la Real Academia Española as vozes «uso» e «usar») dado que nenhuma das «modalidades [...] de la lengua gallega» foi declarada de uso oficial, como evidencia a literalidade da sentença, nem cabe estimar «ejercicio o práctica general» a utilização do idioma galego na Administração e mesmo na sociedade.
Acrescento o facto de a Orthographia ser instrumento em cuja configuação, mais que na de qualquer outro tipo de instrumentos, se incluem as circunstâncias e caraterísticas dos processos, comunicacionais, em que se emprega. Quer dizer, na formalização gráfica, considerada em globo, acha-se ínsita a modelização das condições que conformam os processos comunicacionais a que aquela se diz destinada. Parece coerente presumir que os modelizadores da língua graficamente formalizada, enquanto instrumento linguístico eficaz, mormente nos âmbitos institucionais (e para-institucionai), a concebam atendendo:
a) ao tipo de agentes comunicadores que hão-de o utilizar;
b) à condição dos textos que esses agentes hão de elaborar;
c) à configuração dos âmbitos em os agentes hão de comunicar-se;
d) sobretudo à eficiência que pelo uso desse instrumento esses agentes têm de verificar nuns determinados âmbitos.
É por isso e nesse senso que dizíamos se achar ínsita na formalização do instrumento gráfico a própria modelização dos factores ou elementos intervenientes na comunicação previsível e segundo as coordenadas previsíveis.
2.2.
Se a teorização não isolacionista da Comunidade galega tiver de emarcar-se nalgum dos tipos de ideologia nacional dentre os acima apontados é nomeadamente no cultural, antes que no biológico (ou etnico) e mesmo antes que no no político. Entendemos por cultura o espaço ou matriz simbolico-comunicacional em cujo seio as relações humanas podem ser gratificantes ou, em todo o caso, não conflituosas, desenvolvam-se quer nos âmbitos restritamente institucionais, quer nos outros, nos não institucionais. Estes, em que predomina o relacionamento próprio da oralidade, foram num início os uns, mas nesta altura [des-]estimam-se e [in-]validam-se desde os institucionais, em que a comunicação se desenvolve basicamente mediante a escrita. Dito de maneira equivalente:
saber ler e escrever já não é uma especialização, mas condição prévia a todas as especializações numa sociedade em que todo o mundo é especialista. Nesta sociedade a lealdade destina-se, antes de mais nada, ao meio da alfabetização e ao protetor político. (E. Gellner 1983.1988: 181)
Lembremos que compõem o [sub-]sistema cultural «os criadores e difusores de bens culturais, relacionados entre si por fluência de informação» (M. Bunge 1985: 200).
Cumpre considerarmos inclusos neste apartado não apenas os grandes cultores das letras, das artes ou das ciências, mas também, e antes de mais nada, os laboradores quotidianos da língua, falantes e escreventes, em especial os adscritos ao ensino e aos meios massivos de comunicação. Portanto, é desde essa dimensão cultural e no seu interior que devemos entender e analisar as propostas não isolacionistas.
As «isolacionistas», porém, entendem-se sobretudo desde a dimensão política, enquanto destinadas a verificar, também no campo da estrita Cultura, o [sub-]sistema político-nacional espanhol, aquele em que se acham integrados os cidadãos fruintes dos direitos políticos reconhecidos na vigente Constitución española (1978) e participantes na «cousa pública» que é o “Reino de España”.
Se avaliamos com rigor o tratamento «científico» a que entidades académicas espanholas, nomeadamente as autonómicas, estão a submeter o galego, não apenas enquanto idioma, mas sobretudo enquanto Comunidade Cultural, e se examinamos com justeza os preceitos legais, jurisprudência e decisões administrativas correspondentes, promanadas das instituições públicas, teremos de concluir que nesta altura os responsáveis de verificar o projeto nacional espanhol sabem já tratar o «feito diferencial», cujos «representantes», de «boa fé», o entregam a câmbio de promessas mais do que realidades.
Particular atenção mereceriam as «boas fés» de entusiastas «normalizadores» isolacionistas do idioma galego, num senso restrito: sem lhes desprezar esforços, sacrifícios até, nego-me a imaginar que nunca tenham matinado sobre o processo pertinazmente marginalizador a que se está a submeter a Comunidade Cultural assentada na Galiza espanhola.
Permita-se-me insistir em que o isolacionismo (não apenas linguístico), que assumem as Instituições espanholas, toma a circunscrição político-administrativa como critério primário para definir o facto de as falas não-castelhanas, realizadas nesse território, constituirem uma denominada língua galega que o art. 5.E § 1 do Estatuto de Autonomía para Galicia declara, ambiguamente, «própria da Comunidade Autónoma» e que, por isso mesmo, continuam a supor, há de estimar-se língua diferente da portuguesa.
Por outro lado, conflituosamente admite-se, com as precisões «científicas» pertinentes, que também o idioma galego se fala nos territórios limítrofes, pertencentes às Comunidades Autónomas do «Principado de Asturias» e de «Castilla-León», em todo o caso, integradas no «Reino de España».
Digo «conflituosamente» e «com as precisões 'científicas' pertinentes» porque de facto, quase simultaneamente à declaração estatutária, se reconheceu a existência de um galego astur [e berziano] e a necessidade de o «subnormalizar», lhe[s] outorgando explicitamente a formalização gráfica correlativa da sua condição de «sub-norma» da «lingua galega», que por sua vez está «sub-normalizada» a respeito da Norma do espanhol comum.
3.- PARA CONCLUIR.
Que cada um tire as conclusões que julgar mais adequadas ou corretas. Dixi.
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Anthony D. Smith (1971.1976), Theories of Nationalism, Gerald Duckworth and Co. Ltd, London; cita-se pela versão castelhana de Lluís Flaquer em Ediciones Península, Barcelona.
Sousa Dias (1981), Razão e Império, Livraria Civilização Editora, Porto.
Anthony Wilden (1972.1979), System and Structure. Essays in Communication and Exchange, Tavistock Publications Ltd., London; cita-se pela versão castelhana de Ubaldo Martínez Veiga para Alianza Editorial, Madrid.
[1] Permito-me propor aos participantes a estes Primeros Encuentros de la Sociología en Galicia as reflexões que seguem, embora já no espírito e parcialmente na letra foram propostas noutras ocasiões, como no III Congreso Nacional de Sociología (1989) e no III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza (1990). Assim procedendo, poderei corrigir, pelas observações e objeções que se fizerem, aquilo em que sem dúvida estou errado e, sobretudo, emendar, pelas dilucidações que se me oferecerem, a ignorância que com certeza padeço.
[2] Tenha-se, porém, presentes as «classificações» que dão A. Smith (1971.1976: 295-317) e E. Gellner (1983. 1988: 117-141); considere-se também as reflexões de R. Lôpez Suevos sobre o tema (1983: 45-50.85-91).
[3] Cerca não apenas o indivíduo; são os grupos, todos, de que o indivíduo pode fazer parte os que padecem com plena imediatez as "exigências" da situação minorizada. Na realidade essa terceira norma restritiva sempre e em exclusivo se aplica aos usos da língua "outra", à não nacional e "regionalizada", embora o indivíduo e os grupos se identifiquem naturalmente com ela. Assim tornam-se em cidadãos minorizados, como a língua, enquanto, submetidos a tratamento jurídico discriminatório, padecem legalmente de insuficiência cultural e comunicacional.
A passagem social e política à "libertação" dessa insuficiência, quando acontecer, é facilmente explicável. Contudo, é mais frequente a queda na confusão, na impotência ou na cultura do conflito pelo conflito.
[4] Noutro trabalho examino o "modelo koinológico" que elaborou o sociólogo, recentemente finado, Heinz Kloss, e que, para as línguas românicas, reveu o Prof.Zarco Muljacic (1983 e 1986). Há uns anos, Ursula Esser ( 1986) referiu-se, ingenua e elementarmente, a esse modelo sem remeter à reelaboração do Prof. Muljacic. Ultimamente algum membro do "Instituto de la Lengua Gallega" (H. Monteagudo 1990), desconsiderando que esse "modelo koinológico" tem basicamente caráter tipológico-descritivo, tentou aplicá-lo à "normatización do galego" porque nele (fantaseia) as "propostas isolacionistas" acham a consistência científica de que sempre careceram.
[5] É falso, por insuficiente, aquele princípio (e fundamento) da mal denominada "ortografia fonemática", quer se formule simplesmente "há de escrever-se como se fala", quer se reformule, com menos precisão ainda, "a lingua normativa [= escrita] [...] ha de ser continuadora da lingua falada pola comunidade e ha de achegarse canto sexa posible a ela".
Antes, a escrita de iure et de facto normatiza as falas, quando os usos linguísticos se acham normalizados e muito mais a própria norma (oral), quando é procurado implementar com seriedade um processo normalizador.
Contudo, se, como propõem os "isolacionistas", o modelo comunicativo a normalizar é o correspondente à oralidade, decerto nunca se conseguirá uma normalização equivalente à vigorada nas sociedades modernas constituidas em Estado-Nação porque nem a Orthographia será instrumento eficiente, nem os elementos da comunicação atingiCrão o estatuto e importância que têm nas situações normais.